1. I n t r o d u ç ã o 2
2. Notícia histórica acerca do habeas corpus 5
3. Procedimento do habeas corpus 13
3.1 Campo de aplicação 14
3.2 Conceito de coação 15
3.3 Limitações 15
3.4 Impetrante 18
3.5 Intervenção do Ministério Público 20
3.6 Possibilidade jurídica do pedido 21
3.7 Interesse de agir 21
3.8 Poderes do julgador 22
3.9 Concessão de liminar 22
3.10 Apresentação do paciente 23
3.11 Decisão 23
3.12 Eficácia da decisão 23
3.13 Competência originária do tribunal 24
4. Casos em que é possível o habeas corpus 26
5. Considerações finais 31
6. Bibliografia 32
1. I n t r o d u ç ã o
O presente trabalho tem como escopo o estudo perfunctório do HABEAS CORPUS sob três aspectos; notícia histórica, o seu procedimento e os casos em que é possível. Nesse sentido, para um melhor entendimento deste importante instituto, é oportuna a análise de sua origem etimológica, bem como, o significado da expressão latina – Habeas Corpus.
A expressão Habeas Corpus formada por dois vocábulos latinos, em sua significação literal entende-se “tome o corpo”, pois “habeas” é a forma subjuntiva, neste caso imperativa, de “habeo”, em vernáculo significando ter, possuir, manter, tomar posse, e “corpus” forma acusativa neutra do singular na terceira declinação do nome corpus, corporis ou também corpo. A locução latina Habeas Corpus no seu significado transcendental compreende a idéia de tomar-se a pessoa presa (imprisionetur) ou detido (capiatur) para apresentá-lo diante de um juiz ou tribunal para ser julgada.
Como elucida Pontes de Miranda, “Habeas Corpus eram as palavras iniciais da fórmula no mandado que o tribunal competente concedia, endereçado a quantos tivessem em seu poder, ou guarda o corpo do detido”. Desta forma, o objetivo do instituto era proteger a liberdade de locomoção, evitando sevícias e demais atos injustos de desumanidade que, normalmente, antecediam à realização do julgamento.
Na definição de J. Cretella Júnior pode-se obter uma conceituação bastante ampla acerca deste instituto: “Habeas Corpus é ação, é o instrumento do direito processual penal, mediante o qual alguém, preso, detido ou ameaçado em seu direito de ir e vir, por ilegalidade ou abuso de poder, tem o direito subjetivo público de exigir, em juízo, do Estado, cumprimento de prestação jurisdicional, consistente na devolução imediata de seu status quo ante – a liberdade física de locomoção, ameaçada ou violada por ato arbitrário de autoridade”.
Neste mesmo entendimento, escrevem: L. Hammon – “The writ of Habeas Corpus is a high prerogative writ known to the common law, the great object of which is the liberation of those who may be imprisoned without sufficient cause” e Albert Putney – “ is one of the remedies for the enforcement of the right to personal freedom”.
Outrossim, antes de iniciar-se a notícia histórica do Habeas Corpus, à guisa de estabelecer uma comparação sumária entre institutos similares, a doutrina considera o mandado de segurança como irmão gêmeo do Habeas Corpus, sendo que o objeto do primeiro é mais amplo, podendo inclusive ser impetrado tanto por pessoa natural como jurídica. Esta colocação deve-se ao fato de que, até o fim do século pretérito e começo deste, o campo objeto do Habeas Corpus era amplo e total, como expõe J. Cretella Júnior, englobando qualquer “arbitrariedade do poder público”.
Todavia, hodiernamente, após as reformas constitucionais da década de vinte, o campo objeto do Habeas Corpus foi diminuído visando tão-somente à proteção da “liberdade corporal”.
Retidas estas colocações introdutórias, verifica-se a importância do instituto jurídico na proteção da liberdade física ou “power of locomotion”, entendida como o jus manendi, ambulandi, eundi ultro citroque.
2. Notícia histórica acerca do habeas corpus
Muito embora os doutrinadores sejam acordes ao referir que o instituto Habeas Corpus e sua utilização efetiva na proteção judicial dos direitos coletivos, deita as raízes no Direito Saxão, pela da outorga da Charta Magna, durante o reinado de João-sem-Terra 1215 e seus sucessores, vale assinalar que este estatuto, logo após sua promulgação, foi anulado pelo Papa Inocêncio III.
Desta forma, as garantias constantes na Magna Carta não tiveram vigência até a promulgação do Parliament of the Habeas Corpus Act de 1679, cujo conteúdo formal e material não difere do estatuto anterior anulado pela bula Papal.
Igualmente, convém frisar que as garantias interditais, expedidas pelo pretor romano – interdictum de homine libero exhibendo e interdictum de liberis exhibendis, instituto de natureza análoga ao Habeas Corpus – nunca deixaram de ser aplicadas na Europa ocidental. Tais institutos do direito romano, que se constituíam em ações garantidoras do status libertatis, frente aos atos de coação ou qualquer espécie de restrição física individual, sofrido pelo homem livre, foram incorporados ao antigo direito português e, posteriormente, também, pelo direito pátrio anterior à constituição política do Império do Brasil de 1824.
Não se pode olvidar os forais aragoneses, referentes ao Reino de Aragão da Espanha, cujos direitos eram assegurados pelas garantias e limitações dos poderes governativos, pois como cita J.M. Othon Sidou, “o instituto inglês ofereceu um direito mas omitiu a garantia; o interdito romano era uma garantia para um direito só implícito; o privilégio aragonês continha direitos garantidos”.
Por conseguinte, muito antes que Montesquieu elaborasse sua trilogia do poder estatal, constata-se a antinomia abissal entre a Court of King´s Bench britânico, vinculada à monarquia, e o denominado tribunal eletivo da Justicia de Aragón, cujo contraste reforça a importância dos forais aragoneses, na gênese do instituto do Habeas Corpus.
Com a assimilação pelo direito inglês do interdictum exhibendis romano e dos procedimentos próprios às cartas de lei aragonesas surgiram os writs saxônicos, instrumento em forma de carta que na concepção do direito moderno equivale a “action”. Desta forma, os mais importantes writs citados pela doutrina são: writ de odio et atia – que possibilitava a liberdade do acusado de delitos graves; writ de mainprize – aplicado nos casos de delitos que admitiam fiança e writ de homine replegiando – tratava da aplicabilidade da liberdade provisória.
Devido à incansável procura do sentido prático na defesa da liberdade pelos ingleses, como também, à sucessão de writs que subsistiram e consubstanciaram na pronta e eficiente proteção à liberdade pessoal física de locomoção, teve como consectário lógico o que se denomina writ of habeas corpus, propriamente dito.
Não obstante todos os writs of Habeas Corpus no direito inglês visassem defender à liberdade, somente um protegia a libertação do coacto, visto que os demais asseguravam a liberdade de julgamento, tais como: habeas corpus ad deliberandum et recipiendum – relativo à transferência do paciente; habeas corpus ad faciendum et recipiendum ou também habeas corpus cum causa – mudança de foro do paciente; habeas corpus ad prosequendum – troca de competência para o local onde ocorreu o delito; habeas corpus ad repondendum – troca de custódia de uma jurisdição por outra; habeas corpus ad satisfaciendum – paciente transferido para superior instância devido à requisição do autor; habeas corpus ad subjiciendum – mais celebrado writ da lei inglesa, cujo conteúdo objetiva a liberação de coacto ilegalmente preso, este exarado em todos os graus da justiça inglesa (courts of Chancery, Kings´s Bench, Common Pleas e Exchequer) e habeas corpus ad testificandum – paciente é trazido diante do juiz para acareação.
Exportado da Inglaterra para os cinco continentes, o instituto do Habeas Corpus difundiu-se pelo mundo moderno, primeiramente, para sua antiga colônia, os Estados Unidos da América, onde apareceu com a Constituição de 17.09.1787. Em sua estrutura sintética, pragmática e liberal, denominada palladium (garantia) da liberdade norte-americana, a Carta Política daquele país (no artigo 1º, seção 9) assim dispõe: “The privilege of the Habeas Corpus shall not be suspended, unless when in cases of rebellion or invasion, the safety may require it”.
A utilização do Habeas Corpus nos Estados Unidos verificou-se também nas constituições estaduais, pois os estados membros possuem em seu corpo constitucional disposições similares à Carta Política Federal, inclusive algumas proibindo a suspensão da concessão deste instituto. Durante a história deste país, o direito a concessão de Habeas Corpus foi suspenso, em nível federal, por ocasião da Guerra de Secessão, pelo então presidente Abraham Lincoln, com a chancela do Congresso.
Na vizinha América Latina, influenciada primeiramente pelo sistema deveras diferente e aprimorado do common law, recepcionou-se a tradição do recurso monista dos forais e privilégios dos Reis de Espanha, denominado juicio de amparo, consagrado no constitucionalismo mexicano. Todavia, paulatinamente, o Habeas Corpus foi incorporado às Constituições da Costa Rica (1871), da Nicarágua (1893), de Honduras e Guatemala (ambas em 1897) e finalmente à do Brasil (1891).
O Habeas Corpus não teve sua aplicação no Brasil-colônia, devido à utilização, pelo nosso direito avoengo – Português – das cartas de segurança reais e cartas tuitivas, estas oriundas dos forais hispânicos, dispostas nas Ordenações. De outra parte, o interdito romano homine libero, cujo conteúdo assemelhava-se ao habeas corpus ad subjiciendum Saxão, determinou a recepção do instituto Habeas Corpus no Brasil-Império.
Embora a Constituição do Império (1824) fosse omissa em referência ao Habeas Corpus, ele foi regulado pelo Código de Processo Criminal de 1832, tido como remédio repressivo, privativo dos brasileiros.
Naquele tempo, o Príncipe Dom Pedro, ao assumir a Regência em 1821, emitiu o Alvará de 23 de maio, cujo conteúdo esboçava a finalidade libertária do Habeas Corpus, embora não mencionasse o nome do instituto. Finalmente, em 16 de dezembro de 1830, o Código Criminal, ao dispor sobre os crimes contra a liberdade individual (artigos 183 a 188) incluiu o nome Habeas Corpus.
Com o advento do Código Criminal, o Habeas Corpus, embora tenha absorvido as diretrizes dos atos ingleses de 1679 e 1816, sofreu algumas adaptações às peculiaridades do direito pátrio da época, regido por regulamentação específica denominando-se de “recurso extraordinário”, isto para aliar-se aos dispositivos referentes aos processos de profilaxia e de formação da culpa denominados, pela sistemática processual daquele tempo, de “recurso ordinário”.
Foi durante o Império, que foram introduzidas novas normas sobre o Habeas Corpus, tais como: a Lei nº 261 de 03.12.1841, reformando o Código de Processo Criminal, instituiu no artigo 69 § 7°, o recurso ex officio do juiz nas decisões concessivas da ordem de Habeas Corpus e a Lei nº 2033 de 1871, que dispunha (artigo 18 § 4°) sobre a renovação do pedido de Habeas Corpus à autoridade judiciária superior, se a ordem de Habeas Corpus ou de soltura fosse denegada e, ainda, a concessão de Habeas Corpus preventivo.
No período de elaboração da Carta de princípios, o Governo Provisório da República criou a Justiça Federal pelo Decreto nº 848, de 11 de outubro de 1890, cujo artigo 45 revogou o artigo 340 do Código de Processo Criminal de 1832, conferindo àquela Justiça a competência concernente ao Habeas Corpus.
A importância do Habeas Corpus na defesa das liberdades civis, durante a fase embrionária do Supremo Tribunal Federal, foi destacada no excelente trabalho apresentado por Lêda Boechat Rodrigues, cujo conteúdo expõe a utilização do instituto frente ao desrespeito às imunidades Parlamentares e às garantias individuais decorrentes dos conturbados anos do final do século XVIII.
No período dos agitados anos de 1891 a 1898, mormente em face da separação entre o Estado e a Igreja, o habeas corpus foi utilizado na proteção do próprio federalismo recentemente instaurado no Brasil.
Outrossim, naquele período, por meio de habeas corpus, originariamente ou em nível recursal, inúmeras vezes o recém criado Supremo Tribunal Federal consertou ilegalidades praticadas nos Estados; tais como o caso do “impeachment” do Governador do Estado do Amazonas (1899); habeas corpus para a família do Senador Generoso Ponce e diversos habeas corpus elencados por Lêda Boechat Rodrigues.
Nesse sentido, vale registrar que Rui Barbosa, indubitavelmente, foi um dos pioneiros juristas brasileiros a compreender a utilidade e eficácia do habeas corpus na proteção das liberdades constitucionais do indivíduo, conforme registra a Autora supracitada.
O Habeas Corpus atingiu sua plenitude no regime constitucional e legislativo brasileiro, a partir da Constituição de 1891, que em seu artigo 72 § 22 assim dispunha: “Dar-se-á habeas corpus, sempre que o indivíduo sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violência ou coação por ilegalidade ou abuso de poder.”
Com a Reforma Constitucional de 1925-26, o mesmo artigo e parágrafo teve a seguinte redação; “Dar-se-á o habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violência por meio de prisão ou constrangimento ilegal em sua liberdade de locomoção.”
Posteriormente, as sucessivas Cartas Políticas tiveram o seguinte enunciado para o instituto: Constituição de 1934 (artigo 113 inciso 23) “Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal, na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar.”; Constituição de 1946 (artigo 141 § 23) “ Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. Nas transgressões disciplinares não cabe o habeas corpus.”; Constituição de 1967 (artigo 150 § 20) e Emenda Constitucional n° 1 de 1969. (artigo 153 § 20) “Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. Nas transgressões disciplinares, não caberá habeas corpus.”
Atualmente, a proteção constitucional à liberdade de locomoção por meio de Habeas Corpus, está disposta no artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição de 1988: “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.” Recentemente, com a Emenda Constitucional n° 22, a redação de alguns dispositivos constitucionais sofreu alteração, conforme abordar-se-á oportunamente.
Infere-se que, ao longo dos tempos, o Habeas Corpus sofreu profundas transformações, até constituir-se em instrumento hábil à garantia fundamental da liberdade física de locomoção do indivíduo, frente ao poder estatal, consagrando-se no constitucionalismo de boa parte das nações contemporâneas, como expressão maior dentre os direitos e garantias individuais do cidadão.
3. Procedimento do habeas corpus
Consoante a sistemática estabelecida no Estatuto Instrumental Penal vigente, Decreto-Lei 3.689, de 03 de outubro de 1941, que configura o Habeas Corpus no Livro III – Título II – Dos Recursos em Geral – Capítulo X, constituindo este fato, segundo doutrina majoritária indesculpável equívoco técnico-legislativo. Isto porque, a natureza jurídica deste instituto trata-se de espécie de ação sui generis, cuja forma abreviada requer a aplicabilidade dos princípios inerentes ao direito de petição, quanto aos pressupostos, e os de ação, quanto aos restantes.
Entendendo-se o Habeas Corpus como ação autônoma constitucional, observar-se-ão aos princípios reitores do processo penal, tais como: da legalidade, da ampla defesa, in dubio pro reo, dentre outros. Ainda, sob o aspecto formal, o Habeas Corpus subordina-se a determinados requisitos, denominados pela doutrina como condições da ação, ou melhor, legitimidade ad tutelam (mais adequada à espécie que ad causam); interesse de agir e a possibilidade jurídica do pedido.
Como se depreende do disposto no “caput” do artigo 647 do Código de Processo Penal qualquer pessoa na proteção de seu direito de locomoção pode fazer uso do habeas corpus, exceto nas hipóteses de o objeto da ação extravasar causas de restrição da liberdade de locomoção.
Pela natureza e finalidade do instituto, a petição inicial (observados os requisitos do artigo 654 § 1º), terá preferência na sua apreciação pelos órgãos julgadores, em relação a todos os demais procedimentos que estiverem tramitando num determinado juízo.
3.1 Campo de aplicação
Como se infere do artigo 647 caput do Código de Processo Penal – CPP, “dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder, salvo nos casos de punição disciplinar”, muito similar ao disposto no artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição de 1988: “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.”
Sob esse enfoque, o vocábulo “alguém” refere-se apenas à pessoa natural, ao corpus, ao indivíduo que sofra constrição em sua liberdade de locomoção, diverso do “alguém” tutelado pelo mandado de segurança, cujo campo de aplicação é mais amplo, podendo abranger tanto “pessoa física como pessoa jurídica”.
Em ambos os writs, entende-se como coação ilegal ou violência aqueles atos peculiares de agente público. Todavia, esta ilegalidade pode, em alguns casos, realizar-se por agente particular, configurando-se em crime. Conforme decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, Câmaras Conjuntas Criminais; Recurso ex officio nº 68.960, 17.11.1960 – “É admissível o remédio do habeas corpus em se tratando de constrangimento à liberdade de locomoção exercido por particular.”
Portanto, o campo de aplicação do habeas corpus está, em qualquer dos casos, adstrito à relação entre as pessoas do coator e do paciente.
3.2 Conceito de coação
No artigo 648 do CPP, estão arroladas, objetivamente, as hipóteses de coação consideradas ilegais, tidas em geral como numerus clausus. Entretanto, estas condições de coação ou violência, não precisam constituir, necessariamente, vis absolutas, basta que afetem o animus do paciente, isto quer dizer, que apenas influam psicologicamente sobre o indivíduo, ocasionando-lhe o vis inquietativa.
3.3 Limitações
A Carta Política atual desconhece qualquer tipo de limitação na utilização deste instituto, inclusive suprimindo a vedação do Habeas Corpus nas hipóteses de transgressões disciplinares, cuja presença foi peculiar nas Constituições anteriores. Todavia, há limitação no campo de aplicação do instituto, como referimos anteriormente, cujo objeto é mais restrito que o do writ – mandado de segurança.
Existem, porém, algumas inadequações do Habeas Corpus, no que se refere à inconciliabilidade deste frente ao recurso interposto, quando ainda pendente de julgamento, certamente objetivando a liberdade do paciente. Neste sentido, decidiu a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, no Recurso de Habeas Corpus nº 52.125, em 26.03.1974 – “Existindo apelação do réu, pendente de julgamento, não se conhece do Habeas Corpus.”
Outra hipótese controvertida, concerne à limitação no uso de Habeas Corpus contra o constrangimento da identificação criminal de acusado, já identificado civilmente, assim julgou o TACRIM/SP, 2ª Câmara, HC n° 174.166-4, Rel. Juiz Haroldo Luz – “Inquérito Policial – Identificação criminal – Réu identificado civilmente – Irrelevância – Providência determinada com amparo no artigo 6º , VIII, do CPP, preservado pela ressalva da parte final do artigo 5º, LVIII, da CF de 1988 – Constrangimento ilegal inexistente – Aplicação da Súmula 568 do STF. Consoante parte da doutrina, aplicar-se-ia, nestes casos, o mandado de segurança, visto tratar-se de ato ilegal contra direito líquido e certo não amparado por habeas corpus.”
Outra hipótese interessante é o caso doa impetração de habeas corpus em favor de paciente cuja prisão administrativa havia sido determinada pelo Juízo da Falência.
Em face das circunstâncias do julgado, o então Relator Min. Assis Toledo entendeu que “…omissis… nos estreitos limites do writ só se examina o aspecto formal da questão e se a prisão civil emanou de autoridade judiciária competente. O habeas corpus não é meio hábil para ingresso na esfera de mérito da decisão que decreta a prisão civil de falidos. A conveniência e oportunidade e a eficácia prática da medida de execução refogem à esfera de cogniscibilidade do writ e hão de ser conhecidos e dirimidos na via civil apropriada, através do recurso apropriado, mesmo porque o habeas corpus não se presta a mergulhos de profundidade na matéria fática …omissis…”.
Por fim, in verbis a Ementa Oficial: Não há ilegalidade na prisão administrativa do falido, face a atual Constituição, desde que o decreto esteja fundamentado e tenha sido expedido por autoridade judiciária (art. 5°, LXI, da CF). Por outro lado, a hipótese não está abrangida pela proibição do inc. LXVII, que não inova substancialmente em relação às Constituições anteriores. Recurso de habeas corpus a que se nega provimento.
Todavia, no que tange à prisão preventiva disposta no artigo 14, parágrafo único da Lei de Falências afigura-se que poderá ser elidida por meio de habeas corpus, conforme alguns julgados sobre esta hipótese, tais como acórdão n° RHC 1.756-PR cujo Relator foi o Min. Adhemar Maciel.
Depreende-se que a prisão administrativa na falência, apesar de eventualmente tratar de excessiva medida moralizadora, não pode ser elidida pelo uso do habeas corpus. Por outro lado, na hipótese de prisão preventiva por indícios de prática de crimes falimentares por parte do devedor insolvente, esta pode ser atacada pelo habeas corpus.
3.4 Impetrante
Segundo a lei processual penal brasileira e conforme dispõe o artigo 654 do CPP, é assegurada a impetração de Habeas Corpus por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, bem como pelo Ministério Público, inexistindo quaisquer exigências de possuir o ius postulandi. Este direito de petição cabe a qualquer um do povo, podendo o paciente ser analfabeto ou, ainda, menor, está vinculado a mera condição deste indivíduo encontrar-se em território brasileiro, não havendo vinculação com o critério da cidadania.
Em virtude do conceito restritivo de indivíduo empregado na Constituição, sobre o sujeito ativo na solicitação do Habeas Corpus, sob o enfoque meramente formal, é defesa sua impetração por pessoas jurídicas, corporações, associações de classe.
Entretanto, pelo prisma da interpretação sistemática do direito, não haveria óbice lógico que impedisse a impetração de Habeas Corpus por pessoa jurídica em favor de pessoa natural cuja proteção da liberdade fosse de seu interesse; e.g. diretor ou presidente de determinada empresa.
Nesse diapasão, o julgado da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do antigo Estado da Guanabara, no Processo de Habeas Corpus n° 20.184, o Relator Des. Roberto Medeiros, “em voto adotado por unanimidade, opinou que a pessoa jurídica pode impetrar Habeas Corpus em benefício de uma pessoa física que lhe interesse, observado porém que deve a petição estar instruída pelo mandato caso tal petição seja assinada por advogado.”
Por sua vez, os agentes do Ministério Público, de acordo com o artigo 654/CPP, atuando conforme inteligência deste dispositivo, só possuem competência para impetrar Habeas Corpus na Comarca em que oficiam, adstritos aos limites de suas atribuições. Neste sentido foi o que decidiu a 6ª Câmara do Tribunal de Alçada de São Paulo.
Outrossim, nas hipóteses de competência originária dos Tribunais de Alçada e de Justiça, cabe exclusivamente ao Procurador-Geral da Justiça, representar o Órgão do Ministério Público, delegável aos Procuradores de Justiça.
Outra situação de legitimidade ativa ad causam, deveras controvertida, é a possibilidade do próprio juiz da causa, ainda que tenha ordenado a prisão, conceder o Habeas Corpus, se in casu sub judice julgar manifesta constrição ilegal de seu ato. Afigura-se escorreito afirmar que, em virtude do juízo de cognição realizado pelo magistrado, este ao constatar erro manifesto de seu ato, não pode se furtar de apreciar do mérito, desnecessário o aguardo do juízo da autoridade judiciária de superior instância.
No pólo passivo, como nos ensina o mestre Pontes de Miranda, “o detentor nem sempre é o coator, portanto autoridade coatora é aquela de quem emanou a ordem e não aquele agente que a está cumprindo.”
A jurisprudência tem estendido a hipótese do uso do Habeas Corpus contra ato de particular, como por exemplo, no caso de retenção de indivíduo internado em clínica hospitalar, ou ainda, de interditando, conforme decisão supra-citada no item Campo de Aplicação.
Em seu livro Habeas Corpus, Pedro Henrique Demercian e Jorge Assaf Maluly, abordam tema bastante controverso, a utilização do Habeas Corpus contra ato de Promotor de Justiça, expõem os autores que: “não se considera coator o promotor que requer ou solicita à autoridade policial a instauração de inquérito, já que não se cogita a expedição de ordem legal, mas simples pedido (RT 479/292).” Nesse sentido, para admitirmos atos de autoridade coatora por parte do Ministério Público, colocando-o no pólo passivo desta relação, mister se faz que emane daquele represente do MP “ordem manifestamente ilegal”, não simples requisição.
3.5 Intervenção do Ministério Público
Nas hipóteses de impetração do Habeas Corpus perante órgãos judiciais de primeiro grau, desconhece-se previsão legal para a intervenção obrigatória do Ministério Público, embora este, como dominus litis da ação penal, via de regra, tenha acesso aos autos. Como se depreende do disposto no artigo 45 do CPP, a participação do Ministério Público, mesmo que de forma subsidiária, é consentânea com a principiologia processual penal brasileira. Portanto, em decorrência da natureza jurídica do Habeas Corpus, afigura-se correta sua atuação nas impetrações em primeira instância, já que, em nível recursal, sua intervenção é obrigatória – Decreto-lei 552/69.
O artigo 611 do CPP, foi revogado pelo Decreto-lei supracitado, estabeleceu que se concederá ao Ministério Público, nos tribunais federais e estaduais, vista dos autos nos processos de Habeas Corpus, tanto em processamento originário como em grau de recurso, pelo prazo de dois dias.
3.6 Possibilidade jurídica do pedido
O pedido de Habeas Corpus ficará prejudicado na ocorrência das hipóteses previstas nos artigos 138, 139, 142 § 2º da Carta Política vigente. Todavia, se o ato de constrangimento contra o direito de ir e vir, não ocorrer durante aquelas situações objetivadas no texto constitucional (estado de sítio, prisão disciplinar militar, prisão administrativa e prisão civil – artigo 5º inciso LXVII) será passível de correção pela estreita via do Habeas Corpus.
3.7 Interesse de agir
O interesse de agir na ação de Habeas Corpus vincula-se à idéia da imperiosa necessidade no provimento jurisdicional excepcional, isto quer dizer, na existência de justa causa fundamentada no pedido da proteção do direito de locomoção ameaçado ou lesado.
Portanto, é essencial para caracterização do interesse jurídico legítimo, que o postulante peticione a exata medida do constrangimento ilegal, sem o qual, um dos pressupostos das condições da ação estará prejudicado.
3.8 Poderes do julgador
Conforme dispõe o artigo 654 § 2º do CPP, “os juizes e os tribunais têm competência para expedir de ofício ordem de Habeas Corpus, quando no curso do processo verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal”. A despeito do juiz receber a denúncia, não significa torná-lo em autoridade coatora, assim faculta-lhe conceder o habeas corpus ex officio, entendendo-se Habeas Corpus de ofício, aquele expedido durante o espaço de tempo que medeia o momento do recebimento da inicial acusatória (denúncia ou queixa) até a sentença final.
Assim, uma vez recebida a peça incoadora da ação penal, é defeso ao juiz pôr fim ao processo, pois inexiste fundamento legal que impeça o magistrado de conceder Habeas Corpus a favor de paciente sob sua jurisdição.
3.9 Concessão de liminar
O artigo 649 do CPP – “o juiz ou o tribunal, dentro dos limites da sua jurisdição, fará passar imediatamente a ordem impetrada, nos casos em que tenha cabimento, seja qual for a autoridade coatora” – trata da concessão de Habeas Corpus em caráter liminar.
Todavia, este não se confunde com o expresso no artigo 660 § 4º do mesmo diploma legal, cujo pedido fundamenta o Habeas Corpus preventivo.
3.10 Apresentação do paciente
Após o recebimento da petição de Habeas Corpus, conforme o disposto nos artigos 656 e 657 do CPP, que estabelecem as regras de apresentação do paciente, o juiz, “se julgar necessário”, mandará que o paciente seja-lhe apresentado, de acordo com as circunstâncias em que se encontre o acusado – preso ou em liberdade.
3.11 Decisão
Concluídas as diligências necessárias, conforme prescrevem os artigos 658 e 660 do CPP, caso a resolução judicial for favorável ao paciente, inexistindo outros fundamentos ou motivos que impeçam o relaxamento da prisão, este será posto em liberdade.
3.12 Eficácia da decisão
Consoante o artigo 651/CPP – “a concessão do Habeas Corpus não obstará nem porá fim ao processo desde que este não esteja em conflito com os fundamentos daquela” – e o artigo 652/CPP – “ se o Habeas Corpus for concedido em virtude de nulidade do processo, este será renovado”, pode-se concluir que a decisão do Habeas Corpus não produz coisa julgada. Nesse sentido, a sua concessão não ocasiona o sobreestamento dos atos procedimentais subseqüentes, nem perde sua eficácia com a decisão de pronúncia ou, até mesmo, a condenação do paciente.
3.13 Competência originária do tribunal
Preenchidos os requisitos legais do artigo 654 § 1º do CPP, nos casos de competência originária de tribunal, a petição de Habeas Corpus, endereçada ao Presidente do Tribunal, ou à Turma, ou ainda, à Câmara Criminal, será recebida pelo secretário do tribunal, através do qual o processo tem início.
O Relator, poderá requisitar da autoridade indicada na petição como coatora, informações escritas sobre os fatos alegados. Caso entenda, que Habeas Corpus deva ser liminarmente indeferido, não serão ordenadas as diligências acerca de informações da autoridade coatora.
Conforme dispõem os artigos 661 a 665 do CPP, de posse de todas as informações que o Relator considere necessárias, a decisão será tomada por maioria de votos Na ocorrência de empate, se o presidente do tribunal não tiver manifestado seu voto, poderá proferir voto de Minerva.
Ainda, consoante o artigo 96 inciso I da CF/88 e artigos 666 e 667/CPP, as normas complementares para o procedimento de Habeas Corpus estão dispostas nos respectivos Regimentos Internos dos Tribunais.
Cabe salientar que de acordo com a nova redação do parágrafo único do artigo 98, da alínea “i” do inciso I do artigo 102 e a “c” do inciso I do artigo 105 da Carta Política de 1988, as hipóteses de processamento e julgamento do Habeas Corpus pelo Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça sofreram poucas modificações.
4. Casos em que é possível o habeas corpus
Como dispõe o artigo 648 e seus incisos do CPP , considerar-se-á como ilegal toda a coação na qual inexista justa causa que a justifique; mutatis mutandis todo o constrangimento, por si só, enseja iliceidade, porque, embora o ato possa parecer justo, toda a espécie de ato de constrição, em geral, está eivada de nulidades.
As hipóteses de sua impetração, consoante o disposto no:
Inciso I – quando não houver justa causa. Dentre as principais hipóteses pode-se arrolar:
a) prisão do acusado durante o inquérito – transcorrido o prazo de dez dias, desde a prisão em flagrante ou preventiva, sem a conclusão do instrumento preliminar da ação penal, pode-se conceder Habeas Corpus;
b) trancamento da ação penal – embora haja alguma hesitação jurisprudencial firmada, é lícito o Habeas Corpus nas hipóteses de inexistir, na denúncia ou queixa, uma das condições da ação, ou ainda, faltar algum dos elementos de prova indispensáveis a propositura da ação. Este entendimento jurisprudencial hodierno modificou a tendência pretérita dos Tribunais, que requeriam prova irrefutável, inadmitindo qualquer valoração probatória nesta fase. Nesse sentido, como ensina José Antonio Paganella Boschi, inexistindo “adequação típica, vale dizer, subsunção de conduta humana a texto de norma penal incriminadora (artigo 41 do CPP), pode-se evitar o constrangimento do processo penal por Habeas Corpus”, bem como, “denúncia de fato que não se considera crime”.
Neste mesmo entendimento, o Autor assevera que cabe o habeas corpus “nos casos de atipicidade, ausência de possibilidade jurídica do pedido”, com também nas ações penais propostas contra inimputáveis.
Ademais, embora inexista dilação probatória na estreita via do Habeas Corpus, a denúncia ou queixa desprovida de suporte probatório mínimo sobre o fato típico ou mesmo de sua autoria, poderá ser atacada por Habeas Corpus, conforme decisão citada por José A. P. Boschi na mesma obra, “essa ação constitucional, como regra, não viabiliza exame de prova, (STF, RTJ 58/532) a não ser quando o objetivo é demonstrar a existência do constrangimento evidenciado pela ausência da justa causa; aí então é possível a análise da prova, desde que tal exame não tenha de se fazer aprofundadamente”.
c) prisão ilegal – o que se assevera não é o caráter justo ou injusto da prisão, mas sim a competência da autoridade que emite a ordem de prisão, pois há preceito constitucional, que o tutela cabe Habeas Corpus (artigo 5º, LXV CF/88);
d) trancamento de inquérito policial – esta hipótese também é exposta pelo por Boschi na mesma obra supracitada, durante a fase investigatória, “caso o delegado de polícia decida agir de ofício a investigação poder ser interrompida por mandado de segurança ou Habeas Corpus dependendo de quem seja o interessado, o ofendido ou o autor do crime, respectivamente”;
e) inércia ministerial – nos casos previstos no artigos 801/CPP e 319/CP, que autorizam a soltura do indiciado preso mediante Habeas Corpus.
Inciso II – quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei. Nesta hipótese, entendendo-se como prisão provisória aquela que ocorre devido ao flagrante, à sentença de pronúncia, ou ainda, à prisão preventiva, esta não poderá ter seu prazo excedido em relação à soma de todos os atos procedimentais necessários à formação da culpa, consubstanciando-se este abuso, cabe Habeas Corpus. Todavia, se o elastério da custódia decorrer de motivo de força maior ou não possa ser atribuído à máquina judiciária, inocorre ilegalidade, descabendo a concessão de Habeas Corpus.
Inciso III – quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo. Ab initio, leciona Ada Pellegrini Grinover, apontando que a expressão constante na Carta Política vigente, em seu artigo 5º LIII – “Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente” deve ser entendida com “garantia do juiz constitucionalmente competente para processar e julgar”.
Desta forma, a regra constitucional, por não fixar o critério da competência de foro (territorial), ou seja, as hipóteses dispostas nos artigos 70 – forum commissi delicti, 108, 109, 564,I e 567 do CPP, abrandou na seara processual penal a diferença entre competência absoluta e relativa. Portanto, nas hipóteses de incompetência do órgão do qual emanou a ordem o ato coativo, sem fazer análise axiológica de prova, caberá a interposição de Habeas Corpus.
Inciso IV – quando houver cessado o motivo que autorizou a coação. Todo ato coator por sua natureza ex lege, deverá, obrigatoriamente, amparar-se em lei, cuja execução dar-se-á, somente, dentro do espaço de tempo previsto na norma que o determine. Portanto, esgotado o tempo para sua execução, a coação poderá ser atacada pela via expedita do Habeas Corpus.
Inciso V – quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei a autoriza. Como se depreende do disposto na norma constitucional (artigo 5º inciso LXVI) – “ Ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança” – a fiança, por si só, constitui de direito subjetivo público de qualquer acusado, enquanto que a liberdade provisória é uma faculdade do órgão julgador. Por conseguinte, antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, a liberdade é a regra constitucional, a perda do status libertatis devido à não concessão de fiança quando aplicável, cabe Habeas Corpus.
Inciso VI – quando o processo for manifestamente nulo. O conteúdo finalístico deste inciso, consoante norma constitucional disposta no artigo 5º inciso LIV -”Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” – além de abranger as hipóteses, anteriormente, arroladas no inciso I supra, refere-se, principalmente, aos atos procedimentais prenhe de nulidades. Dentre aqueles atos “manifestamente nulos” que permitem a impetração do Habeas Corpus – ex officio nas nulidades absolutas e por manifestação da Parte em tempo hábil nas nulidades relativas não sanadas – pode-se citar: inépcia da peça incoadora da ação penal – queixa ou denúncia; citação nula ou inválida; interrogatório viciado (acusado desprovido de defensor); não asseguração de prazo para apresentação da defesa prévia, bem como das alegações finais.
Inciso VII – quando extinta a punibilidade. Este inciso estriba-se no princípio fundamental da reserva legal, nullum crimen, nulla poena sine lege (Feuerbach), cujo conteúdo expõe claramente o óbice à pretensão punitiva estatal (ius puniendi), consagrado no constitucionalismo brasileiro contemporâneo (artigo 5º, inciso XXXIX) – “Não haverá crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Nesse sentido, como as razões extintivas de punibilidade constituem matéria de ordem pública, poderão ser reconhecidas pelo juízo – em qualquer grau de jurisdição – e, por via de conseqüência, poderão ser sanadas pela via estreita do Habeas Corpus.
5. Considerações finais
Diante do exposto, a nosso sentir, o HABEAS CORPUS não se caracteriza como recurso na linguagem do Direito Processual, mas sim como verdadeira ação constitucional autônoma de conteúdo precipuamente mandamental.
Todavia, entendendo-se o HABEAS CORPUS como procedimento especial, poder-se-á considerá-lo como remedium juris hábil à proteção eficaz do direito à liberdade de locomoção.
Retidas as considerações acerca das origens históricas do instituto, verifica-se a luta perseverante dos povos, em concilhar a liberdade do cidadão e o desenvolvimento dos poderes do Estado.
Portanto, no contexto do direito constitucional moderno, o HABEAS CORPUS consagrou-se como instrumento relevante na asseguração das garantias individuais.
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